segunda-feira, 23 de julho de 2012

Agripalma: A Vergonha de São Tomé

Vista do Cão Grande a partir da estrada
 Hoje era para ser um dia especial - e acabou por ser, mas pelas razões erradas... Estava programada uma visita à antiga Emolve (actual Agripalma) com o intuito de observar pombos (rola, céssia e pombo do mato) e assim perceber de que árvores eles se alimentam mais frequentemente.
 Passar o portão correu bem. Já ouvi histórias de que havia antigamente um tipo de selecção com contornos racistas feito logo à entrada: "branco não entra". Felizmente que não foi esse o caso e conseguimos entrar todos sem problemas.
 O carro ficou estacionado na comunidade e lá fomos nós em direcção ao sítio onde tinha sido marcado um transecto há não mais que três anos atrás. O transecto havia sido escolhido por ser um bom local para observar pombos, e como este é um conhecido sítio para ver a rara, endémica e ameaçada Íbis (ou Galinhola - Bostrychia bocagei) eu estava com as expectativas bem altas.
 Bem, quando o transecto começou, numa zona que anteriormente seria floresta cerrada, agora era um descampado enlameado. Já não haviam árvores nenhumas! Foram todas cortadas indiscriminadamente (com a excepção de um ou outro Viru vermelho).

 Sem querer desistir do objectivo que nos fez conduzir todo o caminho desde a cidade, continuámos pelo transecto, saltámos o rio, e descobrimos que do outro lado o cenário repetia-se. Com a excepção de um ou outro Viru-vermelho que permanecia comicamente sozinho no meio de toda aquela destruição, não havia uma única árvore de pé.

Ao longe uma escavadora fazia o seu trabalho implacavelmente enquanto toda a paisagem parecia chorar a destruição causada.
  Ao ver tudo derrubado fiquei imensamente triste e revoltado, por isso comecei a registar tudo e a tirar pontos GPS e o resultado é este mapa que se vê em baixo.
A linha verde assinala o limite com o Parque Natural Obô. Toda a área vermelha é antiga plantação de palmeira ou floresta que eu já vi que foi cortada. Como podem ver, há muita floresta que dantes estava de pé juntamente com as palmeiras da Emolve e agora perdeu-se...

 O governo de São Tomé e Príncipe assinou um contrato com a Agripalma, cedendo-lhes 5000 ha, ou seja, terra suficiente para que o negócio de venda de óleo de palma se torne rentável. O problema é que a decisão foi inegavelmente mal pensada e agora parece que não há maneira de voltar atrás... Toda a zona corresponde ao local onde se pode encontrar o Ibis, uma das três espécies de aves Criticamente Ameaçadas de São Tomé, e provavelmente a que corre maior perigo de desaparecer para sempre devido à destruição de habitat e caça descontrolada. E como se o Ibis e as outras aves endémicas presentes na zona não fossem suficientes para parar o abate descontrolado de árvores, é aqui que se pode observar o fantástico Pico do Cão Grande que, só por si, poderia e devia ser explorado como um foco de atracção turística importantíssimo para São Tomé e Príncipe! Mas não, em vez disso o governo decidiu que seria mais proveitoso para o país trocar toda a sua biodiversidade única no mundo por umas quantas toneladas de óleo...!

Pico do Cão Grande... o que és e o que podias ser!
 Ao falar com as pessoas da comunidade mais próxima vi que nem elas estavam felizes com o que está a passar. E como poderiam estar, com tudo o que se está a passar. Quando se troca dinheiro por natureza, não há maneira de não se sentir um aperto no coração. Como uma vozinha interior que nos diz que aquilo está errado.
 Ao caminhar de volta para o carro só conseguia olhar para o Pico do Cão Grande e imaginar. Tanto potencial... e todo mandado a baixo...

8 comentários:

  1. Esta mancha já me tinha chamado a atenção no Google Earth, onde as imagens são de 2005. Então é para isto......

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  2. Parabéns pelo blog, que só agora tive a sorte de encontrar!
    Estaremos atentos/as.
    http://globalvoicesonline.org/2012/08/01/sao-tome-and-principe-deforestation-biodiversity-palm-oil/

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    1. Olá Sara, muito obrigado!

      Sem querer soar muito idiota, achei fantástico teres traduzido aquilo que escrevi para inglês! Ficou logo com um tom mais profissional!

      E agora num tom mais sério: Sim, aquilo está muito feio e houve já uma reunião em Lisboa onde foram discutidos alguns planos de acção para compreender melhor o que estamos a perder naquela zona.

      E muito obrigado por me dares a conhecer essa página da globalvoice!

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    2. Olá de novo João :)

      EStou a preparar algo mais longo sobre este teu post (e o outro da destruição do património). Queria pedir-te permissão para usar as fotos no Global Voices, com os respectivos créditos e links para a fonte original.

      O Global Voices é uma organização sem fins luvcrativos que pretende dar mais visibilidade a histórias contadas por cidadãos através da net e que não têm visibilidade nos grandes meios de comunicaçao.

      Nao encontrei o teu contacto de email, se puderes escreve me para saritamoreira at gmail.

      Obrigada!
      Sara

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  3. olá João Pedro,

    gostava imenso que me enviasses o teu contacto eletrónico,

    preciso de te falar urgentemente a ver se se consegue travar esse cataclismo que estão a fazer nas ilhas mais belas do mundo
    olindabeja@hotmail.com

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  4. Fiquei petreficada com estas imagens de destruição. Eu conheci toda a beleza que foram estas paisagens de palmeirais; estive lá em 2004 e até ando a escrever as minhas memórias dessa viagem. Infelizmente vou ter de acrescentar que os palmeirais do Cão Grande foram quase todos destruídos. E sabe-se a razão? e se a destruição continua? e não há nenhuma entidade interna ou externa que denuncie esta situação?

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  5. Sinto uma imensa tristeza ao deparar-me com estas imagens. Sim, não posso conter minhas lágrimas ao saber que aquela magnifica paisagem está a ser vandalizada por uma exploração, sem escrúpulos, que não olha a meios para atingir os seus lucros, que, afinal, nem sequer vão reverter para a economia de S. Tomé mas para os cofres usurários de uma empresa mercenária - Eu, que tantas vezes por ali passei a caminho da escalada do Pico Cão Grande, vejo com uma dor de alma profunda, tão criminoso atentado. Espero - desejo ardentemente - que, o Presidente, Manuel Pinto da Costa, bem como governo, não sejam cúmplices de tamanha barbaridade – Jorge Trabulo Marques

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