sexta-feira, 29 de junho de 2012

De volta ao Mercado

 Ir às compras no mercado é sempre uma experiência um pouco transcendental. Tantos olhos, tantos assobios, branco aqui branco. Devo ser feito de ouro, todos querem um bocado. Então aquela parte com o peixe entre a paragem das hiaces e os caixotes do lixo no Mercado Velho é das melhores. Os cães a passar, as hiaces a descarregar, o lixo por todo o lado, e o peixe ali mesmo, fresquinho e brilhante. Tanta gente a chamar, tocar, apontar, assobiar. Naquelas situações de pressão costumo desligar um pouco o cérebro, talvez para não sofrer danos maiores. "Seis por dez", diz-me uma senhora. "Oito por quinze" grita a companheira do lado e começam as duas a insultar-se em forro! "Seis quê...?" Bem, quando dei por mim já tinha doze peixes no saco, menos dinheiro na carteira e as minhas pernas levavam-me para longe dali. Aquilo é um espectáculo mas é de doidos!
 No mercado novo as coisas são mais calmas mas ainda assim a pressão sente-se na mesma. Como uma força que nos empurra pelas costas em direcção à saída mais próxima. Comprámos de tudo um pouco mas quando já nos acostumamos àquele ambiente hostil, aí é que a verdadeira diversão começa. Regatear preços. Reclamar da cor dos tomates que a mulher nos está a escolher. Falar mal do preço geral das bananas. Tentar trocar cenouras pequenas por grandes. Brincar com a senhora que está a pesar meio quilo com a balança virada para ela, enfim! Acho que já disse isto mas não tem mal repetir. Ir ao mercado é uma experiência única. Vão e percam-se sabendo que a ideia não é sentirem-se confortáveis e tranquilos mas sim viverem uma experiência estranhamente boa!




segunda-feira, 25 de junho de 2012

A palmeira e o vinho

 Não é raro andarmos quilómetros no meio da floresta, completamente perdidos, fora de qualquer caminho e longe de qualquer traço de civilização, e  cruza-nos com um destes senhores a cumprimentar-nos do cimo da sua bela palmeira!
 São vinhateiros e o trabalho deles é muito resumidamente subir às suas palmeiras (usando uns arames grossos que dão a volta ao tronco e se prendem nos pés), martelar na base das folhas, onde crescem as flores, e espetar lá um garrafão que irá encher lentamente ao longo do dia. Depois é só preciso ir lá esvaziar o garrafão para outro um pouco maior, filtrar a mistela com um funil com fios de plástico (como os na fotografia) e deixar fermentar um pouco. Num instante temos o vinho de palma, bebida altamente apreciada em todo o lado! A coisa normalmente vende por 5000STD por caneca (garrafa de plástico cortada) o que dá aí uns 0,20€, por isso não admira que seja tão apreciado! A cor é leitosa e o sabor não é mau, é assim estranho, como se fosse fruta, mas menos doce. E a quantidade de álcool também é fraquinha, talvez semelhante a cerveja. Basicamente sabe a uma coisa que parece que não era suposto estarmos a beber sem ter havido algum tipo de tratamento... mas não é mau, atenção! Se nunca provaram acho que é essencial provar e para isso basta pedir um copinho a um vinhateiro na sua palmeira. Eles têm tanto deste "leite" que certamente não terão problemas em oferecer um pouco em troca de uns quantos elogios ao seu produto - eles adoram ouvir que o vinho deles é o melhor.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Como escrevo...

 Já não tocava no meu livro há demasiado tempo e por isso começava a crescer em mim um sentimento de preocupação, sempre intercalado ou até tapado por trabalho. Quando fico muito tempo sem escrever tenho receio de deixar de conseguir regressar ao mundo onde se passa a história. De me esquecer da cara das personagens, das suas vozes e personalidades e roupas. Não tenho medo de ficar sem ideias, acredito que isso só acontecerá quando morrer, mas sim de ficar cego para este mundo que descobri. Como posso descrevê-lo se não o conseguir ver? Foi com esta incerteza que recomecei hoje no único sítio que podia começar, no primeiro capítulo, e ao ver com um sorriso as palavras a surgirem umas atrás das outras numa delicada ordem percebi que ainda não estou cego. E assim o mundo cresceu (e continua a crescer) mais um pouco de cada vez. Há sempre espaços nas entrelinhas que podem ser desenvolvidos, como rebentos brotando de um tronco maior e mais seguro. Hás vezes ficam bem, são esses os que eu não podo. Olhando para a grossura dos livros da Song of Ice and Fire, imagino que seja assim que o senhor Martin escreve os seus livros - escrevendo um esqueleto central e depois enchendo o resto com os órgãos e tecidos que faltam. Ou então o homem é um deus que escreve tudo à primeira. Não o conheço, não sei. Normalmente ponho um par de músicas calmas a tocar em repeat e deixo as palavras saírem sozinhas para preencher os buracos do puzzle que já está criado algures. Ou fui eu que o criei? Não sei dizer, ás vezes parece que apenas o descobri. Um grupo musical que costuma resultar em grandes sessões de transe de escrita tem sido Massive Attack, nomeadamente as músicas Tear Drop, Mezzanine e Risingson. Estas últimas duas são tão negras que só me fazem pensar numa personagem muito especial da história. Toda ela é veneno, máquinas e escuridão embrulhados num belo pacote de sofrimento. Adoro explorar as partes da história onde ela aparece... coitada da Tox. Outra preocupação que tenho com bastante frequência é ser (demasiado) perfeccionista e de passar o tempo todo a roer partes que me pareçam menos boas, ou pronto, imperfeitas. Com estas migalhas criei um outro documento que, de momento, tem quase metade das páginas do livro original - se é que isso pode ser indicador de alguma coisa. Um dia vou tentar perceber porque é que estou a coleccionar as migalhas mas até lá continuo a roer. No fundo quero acreditar que isso só deixa a história melhor, mas também pode ser que esteja apenas a afastar-me do final. Se não avançar, como poderei algum dia acabar?
 Qual será a melhor forma para escrever bem e depressa? Imagino que haja duas estratégias e, como sempre, a escolha certa deve ser algures no meio. Será que é melhor planear tudo muito muito bem e quando se sabe absolutamente tudo o que acontecerá onde e quando, aí sim, começa-se a construir sem parar, do início ao fim. Ou será que o melhor é começar sem grandes planos e deixar a história desenvolver-se lentamente à medida que a estamos a escrever? Sinceramente gosto mais de escrever assim, gosto quando as minhas personagens me surpreendem com as suas escolhas, mas o problema é que não é raro ter que cortar coisas (daí o tal documento) porque subitamente percebi que há algo que não "pode ser assim" e por isso tenho que fazer sérias alterações... Bem, que post secante este está a ser... peço desculpa.

Vou voltar para lá.

Com licença.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O fim da estrada

O fim da estrada é uma das estranhas atracções que São Tomé tem para oferecer. Basta olhar para o mapa das estradas para perceber que o anel não fecha, há uma área misteriosa no Sudoeste do país sem estradas nem comunidades. O percurso normal para lá chegar é simples, basta chegar à marginal e começar a conduzir em direcção à esquerda (com o mar de frente) e continuar até não dar mais. Vão passar por um par de comunidades até atravessarem Guadalupe, depois viram as planícies de savana e a fantástica marginal com os pescadores nas suas canoas, a Lagoa azul e a estrada serpenteante com os penhascos a olhar-nos com superioridade, Neves e o caos de pessoas, porcos, hiaces, motas e cabras, de seguida Ponta Figo e as palmeiras, o túnel, as praias a preto e branco, Santa Catarina, com as casas de madeira à beira mar, a ponte sobre o rio Lembá, a maior do país, e por esta altura o alcatrão acabou, mais um pouco a subir, Ponta Furada do vosso lado direito, continuem, está quase, os campos de cafezeiros de cada lado e as copas por cima e... pronto, podem sair do carro e fazer o resto do caminho a pé porque acabaram de chegar ao fim da estrada.



 O fim da estrada não surge como uma linha traçada por alguém. Esse tipo de divisão não seria natural, não é assim que a Natureza opera. Em vez disso surge gradualmente com pequenos rebentos pioneiros que lutam por reconstituir vida à gravilha cinzenta. Aos poucos, plantas maiores vão surgindo, fetos, flores. A floresta convida-nos silenciosamente a continuar.



 A certa altura a estrada já desapareceu e apenas uma berma mais alta usada actualmente por vinhateiros e caçadores dá alguma pista que por baixo dos nossos pés jaz uma antiga estrada movimentada.



 Mais uma centena de metros para as profundezas e as árvores e palmeiras reinam sobre o que outrora foi terra de Homem. Este é o sítio onde a Civilização desaparece debaixo de raízes poderosas e dá humildemente lugar à Natureza.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Ascensão ao Pico


 Passei os últimos três dias e duas noites no pico de São Tomé a trabalhar num projecto que tem como objectivo a reabilitação dos percursos pedestres da ilha e como acho que isto será um assunto útil e que poderá interessar a bastante gente, vou tentar ser crítico e informativo nesta metade do post que se segue. Como também acho que poderá haver benefício em contar como tudo se passou, deixo isso para a segunda parte do super post de hoje.


Turismo


Perguntas

Quanto tempo demora?

No máximo fica por dois dias separados por uma noite (opção mais normal) mas a opção de um dia também está no menu, embora não aconselhe nada isso – não se vai ver nada porque se estará sempre a correr à frente do Sol.

É perigoso?
Sim. E não é daquele tipo de perigo ah e tal, podes meter o pé numa raiz e torcê-lo e choras um pouco. É mais daquele tipo de perigo em que confias todo o teu peso a uma raiz podre, ela parte-se e tu cais e desapareces no meio da bruma fantasmagórica sem fazer um único som.

Apenas uma das muitas crestas que terão que atravessar
Vale a pena?
Sim! Vale! Aquilo lá em cima parece saído de um livro do Senhor dos Anéis e se não acreditem continuem a descer que as fotografias já vos vão convencer.

 
É preciso guia?
Sim. O caminho é longo e difícil e deve-se ir com alguém experiente. Se alguma coisa correr mal (e tanta coisa pode correr mal…!) podem crer que é melhor estar com alguém do que ficar para lá sozinho.


Por onde se vai?
O mais usual é subir-se a partir do Jardim Botânico do Bom Sucesso mas deixem isso para o guia.

Se virem isto não se preocupem porque já está quase




Material obrigatório

Botim/galochas – Não quero imaginar como seria andar no meio de tanta lama e folhas molhadas sem um bom par de galochas mas suspeito que seja… mau. E frio também!

Roupa quente (2x calças, 2x casaco e 2x meias quentes) – Na hora de fazer a mala podem ser tentados a cortar esta parte e irem mais leves. Afinal de contas como é que pode estar frio lá em cima se cá em baixo está tanto sol? Acreditem que pode, especialmente na gravana (Junho – Setembro)! E o frio que vem de mão dada com a humidade e a ventania daquele lugar é o suficiente para vos enregelar até aos ossos e acordar a meio da noite sem nada para vos aquecer a não ser a própria respiração! Levem pelo menos alguma coisa para tapar a cabeça (gorro ou capucho do casaco) porque vai ser por aí que vão perder grande parte do calor!

Roupa fresca (2x t-shirt, 2x sandálias, 2x meias frescas) – É o que vão usar quando estiverem a pingar de suor nas subidas e descidas ou quando acabaram de chegar à Mesa do Pico e só querem tirar os botins e deixar os pés respirar.

Grande parte da "subida" ao Pico é passada a descer!
Tenda
- Vantagens: Mais espaço, partilhar calor corporal (novamente as noites são um gelo!).
- Desvantagens: Peso. Implica transportar qualquer coisa para meter debaixo do saco-cama porque se não, vão estar por cima de uma raiz que esteve todos estes anos a crescer enquanto aguardava pacientemente pelo dia em que vocês teriam que se deitar por cima dela.

ou

Amoque (uma cama de rede com a mania que é tropical)
- Vantagens: Leve. Evita a tal raiz. Monta-se mais facilmente e em mais sítios que a tenda.
- Desvantagens: Só dá para uma pessoa… Sim, é só isso. Se deitarem-se na diagonal, até podem beneficiar de um “chão” (mais ou menos) direito.

"Olhem para mim, sou tão tropical."
Frontal ou lanterna – Dá sempre jeito ter alguma coisa para iluminar os buracos traiçoeiros no caminho de regresso à tenda escura e gelada que vos aguarda.

Guarda-chuva ou impermeável – Eu prefiro o segundo porque aquece e dá para meter entre o rabo frio e o chão molhado quando se está a aquecer as mãos na fogueira.

Máquina fotográfica – É criminoso ir-se lá a cima sem levar uma.

Cajado – Na subida não é tão importante mas a descida é tão escorregadia que acho muito boa ideia pedirem ao vosso guia que use o seu fiel machin para vos arranjar um cajado.

Doces e coisas boas – Açúcar rápido antes das caminhadas é sempre boa ideia. E também porque é bom!


História


Caminho? Qual caminho?
 Éramos cinco ao início…          estou a brincar, continuámos a ser cinco no final, ninguém se perdeu… eu, o Bastien, o Gabriel, o António e o Narciso começámos a subida a partir do Jardim do Bom Sucesso. A primeira parte do caminho não é novidade nenhuma, estamos já fartos de a fazer. Mas depois de se virar à esquerda na placa que aponta para a Lagoa Amélia e subir numa inclinação mais escondida é que as coisas começaram lentamente a fazer cara feia. Troncos escorregadios a bloquear totalmente o caminho, paredes com raízes salientes que tinham que ser escaladas, derrocadas que apagaram completamente o caminho, trechos super estreitos devido à erosão… bem, venha o diabo e escolha. Mas o que importa é que passámos tudo e conseguimos chegar eventualmente à Estação Sousa onde iríamos passar a primeira noite por isso começámos a montar a tenda e os amoques, a juntar lenha para a fogueira e a encher as garrafas de água no riacho mais próximo. Estava já a ficar escuro, a neblina tapava o céu e o frio cercava-nos. Era hora de trazer o fogo por isso o António despejou um pouco de gasolina para cima da lenha molhada e no tempo em que um fósforo demora a acender já tínhamos algo com que nos aquecer. Botins e meias, toalhas e t-shirts, casacos e mochilas, tudo foi pendurado ali ao lado para secar ou aquecer enquanto se preparava um belo esparguete com peixe fumado.






 A primeira noite não correu lá muito bem. Entrei para dentro do saco-cama vestindo apenas um casaco e as mesmas calças de ganga castanhas que usei durante o dia… meti os tampões nos ouvidos, fechei o saco-cama, e lá acabei por adormecer… …para acordar umas poucas horas depois com os pés absolutamente gelados, insensíveis, mortos, pronto. Foi difícil voltar a adormecer naquelas circunstâncias mas depois de muita meditação e aceitação dos processos que envolvem o corte da corrente sanguínea para as extremidades e de como isso era um processo natural e, no momento, inevitável, lá consegui pregar olho novamente. Hás cinco fui acordado por vozes e uma cor agradável de fogo no tecto do amoque. O frio só tinha piorado, por isso tentei reanimar os pés enquanto fazia pontaria para dentro dos botins gelados e me arrastava para junto do fogo como uma traça em busca da luz.

 O segundo dia começou bem com os restos do esparguete da noite anterior e um cafezinho adoçado com leite condensado. Tinha ficado combinado que iríamos tentar descobrir um caminho alternativo por cima de uma cresta que evitasse todos os perigos que passámos no dia anterior mas como o mato estava todo lá e o caminho simplesmente não existia, senti-me muitas vezes como um elefante a furar pela floresta, por vezes na vertical, pendurado nas árvores, a escorregar sem controlo pela lama… foi de doidos e adorei!

 Regressados ao acampamento era hora de arrumar tudo e voltar à estrada. A floresta mudava gradualmente à medida que subíamos. Ficava mais misteriosa, mais mágica, os musgos cobriam cada vez mais os troncos, as nuvens passavam rápido por cima das copas baixas, os pássaros calavam-se, os insectos escondiam-se. Estávamos claramente a entrar num reino misterioso que os seus habitantes não queriam que fosse descoberto.


 Voltámos a montar o acampamento na Mesa do Pico. O sítio não parecia deste mundo, a sua beleza era realmente inacreditável com todas as espécies de musgos a cobrir cada centímetro das árvores que lá crescem. Era neste dia que iríamos subir até ao pico por isso depois de almoçarmos pão com queijo e atum – uma verdadeira delícia se o pão for tostado sobre o fogo e entre as lâminas de dois machins – lá agarrámos o mínimo imprescindível e começámos a última subida.

Preparem-se mentalmente para a escalada!
 Eu pensava ingenuamente que o pior já tinha passado, todos me disseram que chegaríamos lá em meia hora, ou vinte minutos até. O que não me disseram é que seriam vinte minutos pendurado em paredes verticais cercadas por precipícios! Mas que perfeita loucura que aquilo foi! Sempre que pensava em subir, testava sempre as raízes onde estava a depositar a minha vida porque bastava apenas uma delas se soltar que nem sei bem onde iria parar… ok, provavelmente não iria muito longe porque havia lá várias à escolha. Alguma me iria socorrer. Escalámos e escalámos até que chegámos finalmente ao nosso destino. Aquilo pelo qual subimos tanto e durante tanto tempo. Uma clareira minúscula no meio de umas árvores magrinhas e sem graça. As nuvens brancas e espessas tapavam tudo. Não se via o resto da ilha, nem sequer o mar, não se via nada. Mas como tínhamos tempo decidimos esperar, ler as placas, e foi aí que comecei a sentir algo diferente. Algo conhecido. Numa tentativa de me explicar ao Gabriel, disse que São Tomé não tem “ondas para pensar”. Passo a explicar: O mar que cerca Portugal (o Centro e Norte, pelo menos) tem uma ondulação fantástica e basta estar ali um pouco sentado a ouvir o que ele tem para nos dizer que a solução para os nossos problemas parece subitamente fácil, alcançável. São Tomé não tem o mesmo mar mas senti que o pico era um desses sítios para reflecti, para parar um pouco. Para pensar onde estamos, o que já fizemos e o que queremos fazer de seguida… mas talvez isto seja apenas eu.
No Pico! (Claridade a mais! Tenho, que, manter, os olhos, abertos!)

 A ementa da noite anterior repetiu-se ao jantar mas o frio que se sentia trouxe-nos para mais perto do fogo. A madeira chiava, crepitava, espumava nas feridas abertas e foi com esta música que falámos de feiticeiros e extraterrestres, até que o António ligou o rádio do telemóvel e começámos a seguir o jogo de Portugal x Holanda. Assim foi até que o senhor do outro lado nos garantiu que Portugal tinha mesmo passado aos quartos de final.
 Como queria (e precisava) de dormir bem naquele noite, decidi vestir tudo o que tinha, ou seja, as duas t-shirts fininhas e o casaco com capucho mas numa tentativa desesperada de aquecer os pés, acabei por vestir o impermeável como se fossem umas calças com as mangas fechadas! De nada valeu e acordei de hora a hora até o fogo me convidar a sair.
 Quando me perguntaram se dormi bem a resposta honesta foi um não. Aliás, nem sei se dormi. Foi mais uma noite gasta à espera que o Sol voltasse. Umas horas parado a descansar os músculos das pernas. Mas nada disso importava porque ali estava o fogo novamente. As meias fumegavam, os pés ardiam, todos se chegavam um pouco mais perto, de mãos esticadas, ninguém falava.




 Se a subida ao pico é uma perfeita loucura, a descida não podia ser muito diferente. Felizmente que desta vez levei comigo um pequeno cajado (altamente recomendável nesta parte) que me ajudou a não passar o tempo todo com o rabo no chão.


 No final ninguém se magoou muito e chegámos todos inteiros e felizes, ainda que absolutamente arrasados. Valeu a pena e se puder volto lá para filmar e fotografar o que deixei para trás!


sexta-feira, 15 de junho de 2012

Fungos na lente!

 Confesso que nunca tive muito cuidado com a minha máquina fotográfica (Canon 350D). Se há alguma situação que precisa de ser registada, eu vou lá e tiro a fotografia, quer seja debaixo das ondas ou sob temperaturas negativas, no meio do deserto, sob o sol intenso, ela tem-se portado excepcionalmente bem. Até que vim para São Tomé. A humidade prolongada deste sítio aliada ao facto de eu não ter metido a máquina numa caixa com gel de sílica atiçou a germinação de fungos que agora estão por todo o lado e lixam-me as fotografias macro todas!
Simples fotografia apontada ao céu nublado com uma abertura pequena (F/22).
























 Analisando a fotografia dá para ver que já há fungos em mais do que um elemento da objectiva (e talvez até no próprio sensor da máquina) por isso imagino que não vai ser uma limpeza fácil.
 Há uns meses falei com um fotógrafo que me assegurou que a limpeza ia custar tanto como uma lente nova por isso só posso dizer: Se vierem para um clima tropical com material fotográfico ou binóculos, tragam também um caixote ou saquinhos de gel de sílica ou algo semelhante para absorver humidade e mantenham o material sempre lá. A pior coisa que podem fazer é deixar a máquina na bolsa que levaram para o campo.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Explorando o hospital abandonado

 Deixámos o carro em Ponta Furada, uma das ultimas comunidades que se podem visitar de carro até a estrada acabar e caminhámos todo o caminho até Bindá. O sítio em si não tem muito para ver, apenas uma ou outra relíquia portuguesa pelo caminho, talvez, mas se atravessarem o rio e subirem até lá acima vão ser surpreendidos por um imenso hospital em ruínas que se manterá bem escondido até estarem apenas a alguns metros da entrada!

A ambulância de serviço ainda na garagem?
 Entrei lá por dentro todo armado em Indiana Jones pronto a explorar as ruínas de uma civilização perdida. Para onde quer que me virava só via coisas fantásticas por isso fartei-me de fotografar, tinha que documentar tudo. Lá em baixo o Gabriel e o Nelson gritavam pelo meu nome, mas como podia sair dali sem explorar tudo? Absolutamente impossível!

 Enquanto me perdia pelas várias divisões só conseguia imaginar quantas pessoas já andaram por aqui, as histórias de vida que se desenrolaram entre estas paredes que agora estão cobertas de raízes e trepadeiras. E principalmente, como é que aquela gente imaginava que seria o hospital no futuro.

Certamente que não o imaginavam assim
 No final perguntei-lhes como é que se chamava o hospital e ninguém me soube responder. Acho incrível como é que uma coisa que claramente era importantíssima pode simplesmente desaparecer dentro da floresta com o passar do tempo.



terça-feira, 12 de junho de 2012

Jogando Ouril em Abade



 Estava a conduzir pela floresta com alguma antecipação. A minha cabeça estava já em Abade enquanto me desviava das madeiras caídas no caminho e deixava o carro fazer o que queria dentro dos carris escavados na gravilha.
 Da primeira vez que vi Abade deparei-me com esta casa e isso consolidou bastante a minha opinião de que Abade devia ser das comunidades mais bonitas de São Tomé.






















 O chão está limpo, as pessoas sorriem, há árvores com flores e cães que aceitam festas. As crianças brincam com latas de sumol e jogam ao mata com meias enroladas. Perus pavoneiam-se lá ao fundo, as mulheres lavam a roupa e os homens partem para o mato com ganchos e machins pendurados no cinto. Foi neste ambiente que fiz os inquéritos e comecei a espalhar o xadrez pelas cabeças das pessoas que o absorveram com satisfação.

Quando pergunto se a pessoa comeu carne de pato ou peru a resposta costuma ser algo semelhante a: "Ché! Como? Não tem ele." Pois não, mas as pessoas de Abade têm!

 A certa altura vejo alguém puxar de uma tábua de madeira com catorze copinhos escavados e perguntam se sei jogar.
- Nem sequer sei o que isso é, quanto mais jogar.
 O jogo chama-se Ouril e só posso dizer que vi, joguei, e depois de várias tentativas só comecei a arranhar o básico porque este jogo requer uma atenção do caraças para o número de pedras que existem em cada copo. Não só foi uma surpresa "descobrir" este jogo como foi uma surpresa descobrir que o Nity é um mestre neste mesmo jogo!

 A certa altura aparece um senhor que supostamente era "o mais forte" e depois de se medirem, trocando provocações em forro, as duas forças colidiram.
 Ver dois mestres de ouril a jogar é verdadeiramente impressionante porque cada turno acontece em fracções de segundo, eles jogam um por cima do outro, mexem nas pedras, atiram-nas para os copos com uma habilidade incrível (p. ex. atirar três pedras simultaneamente, fazendo-as passar por entre os dedos). Rara é a vez que têm que contar as pedras num copo porque o normal é irem sempre somando e memorizando quantas estão em cada um dos doze copos!
 O problema de os ver jogar é que é muito bonito mas não há forma de acompanhar o jogo se não tivermos o mesmo grau de perícia.

 Não expliquei aqui as regras porque ia ser uma granda seca mas para os mais curiosos podem ir aqui


domingo, 10 de junho de 2012

Entre música alta e uma bananeira pesada


 Saídos de Amparo passámos por Colónia Açoriana, sempre acenando e sorrindo a quem passava pelas bermas, ouvindo uns quantos “brrranco e doce doce” pelo caminho, até que chegámos à estrada nacional que teríamos que descer para poder voltar a subir pouco depois e regressar às profundezas da floresta. A próxima comunidade esperava-nos.

 Mendes da Silva é das minhas comunidades favoritas por causa das pessoas que são excepcionalmente simpáticas e atenciosas. Isto acaba por reflectir-se na comunidade em si. Por enquanto é a única que visitei que tem as casas pintadas e os caminhos limpos.
 Seguindo as regras da boa educação, fomos cumprimentar toda a gente quando chegámos e enquanto apertava a mão ao Tá, ele disse-me que a “bananeira onde eu tinha dormido estava toda parida” ao que eu respondi que “então acho que as bananas devem ser minhas filhas.”

 Da última vez que lá fui fiz uma apresentação com o objectivo de sensibilizar o pessoal para as questões ambientais e no meio de tantas caras houve alguém que se destacou e ficou bem entranhado na minha memória. O senhor chama-se Nené e autoentitula-se o Dono da Floresta! Mas atenção que ele diz isto com um grande sorriso na cara, completamente na brincadeira, totalmente diferente dos poucos que já apanhei por aí e que pintam o mesmo título com uma tinta muito amarga e irresponsável. O Nené não é nada assim.
 Mal o vi comecei logo a picá-lo e ele reagiu:
 - Quanto estiveres na floresta grita pelo meu nome, que eu estarei lá!
 Achei a frase imensamente potente, verdade seja dita.

 Da última vez que estive lá houve também uma senhora que me pediu uma placa para meter no quiosque dela.
- Com uma frase bonita. - Pediu ela por entre um sorriso.
 Eu escapei-me muito agilmente ao pedido com as técnicas do costume mas depois ela fez um xeque-mate bem habilidoso.
- Então escreve só uma frase bonita p’ra mim.
 Uma frase bonita, pensei eu, isso não custa dinheiro e parece um desafio dirigido ao meu bixinho escritor. Lá acabei por aceitar!
 Mas que má ideia… o que raio se escreve para um senhora sobre o qual sabemos pouco ou nada!? Uma frase para decorar um quiosque que nem sequer existe e também não sabemos o que irá vender, se óleo de fritar ou bebidas. A verdade é que fiquei a moer o assunto até anteontem, o dia em que voltei encará-la. Felizmente que quando entrei na comunidade vi que o quiosque já estava montado e bem apetrechado com imensa coisa (leite Mimosa!?) e já estava decorado com uns pechisbeques de plástico. A senhora não me voltou a pedir mais nada e eu agradeci silenciosamente a sua decisão.
Aula de xadrez
  À noite, depois de entrevistar o último senhor à luz das velas (e do frontal – não se via nada) descemos até às casas da comunidade que estão mais a baixo, junto à escola. A música já se ouvia muito antes de vermos a casa e quando nos aproximámos começámos a ouvir o ruído do gerador, também ele bastante impressionante. Entrámos dentro da casa onde seria o jantar e fomos recebidos com uma barulheira absolutamente destruidora. A sala era de madeira, acolhedora e pequenina, mas estava apinhada de gente e tinha uma televisão a passar o jogo entre a Rússia e a Republica Checa, mas o que realmente chamava atenção eram as duas colunas gigantescas com luzes de discoteca! O volume era ridículo e quando me sentei um rapaz que estava mais perto das colunas ainda teve a péssima ideia de se pôr de pé para rodar o volume até não dar mais. Estavam agora no máximo. Só posso dizer que comer esparguete super picante enquanto somos esbofeteados por um barulho tão ensurdecedor que temos que gritar para a pessoa que está ao nosso lado é uma experiência verdadeiramente atordoadora. A única altura em que podíamos respirar era quando uma música acabava, as luzes da casa aumentavam subitamente (por causa da súbita disponibilidade de potência vinda do gerador) e a próxima música começava. Os meus ouvidos já estavam a apitar, o jogo de futebol não fazia sentido nenhum e estava cheio de sono por isso fiz um pouco de linguagem gestual a assinalar a minha decisão de ir dormir, e assim fui.
 O amoque tinha sido montado entre duas bananeiras o que nunca é uma decisão sensata porque aquelas coisas são tão resistentes como ervas gigantes e não têm um tronco duro mas como já tinha feito a mesma aposta infeliz da outra vez e não tinha acontecido nada de mal, voltei a montá-lo no mesmo sítio. Apaguei a luz do frontal, meti os tampões nos ouvidos, sentei-me primeiro para testar, nada de muito alarmante, elas dobraram-se um pouco, era o esperado, descalcei-me, arranjei o saco-cama, mas quando me deitei para trás só senti as costas a baterem no chão com um som abafado e uma bananeira enorme a cair-me em cima! Várias asneiras passaram-me pela cabeça enquanto tentava a todo o custo serpentear para fora do amoque e recuperar a minha dignidade.
 A porta da casa do Tá bateu uma segunda vez e quando entrei tive que elaborar mais linguagem gestual para expressar o acto ou efeito de levar com uma bananeira em cima da cabeça. Não foi fácil mas depois de a mensagem chegar, todos se riram e levantaram-se para ir ver o palco de destruição onde tudo se tinha passado. Como o dono da bananeira não parecia muito chateado e disse que iam já aproveitar as bananas eu fiquei mais descansado e com a ajuda do Nity lá voltámos a montar o amoque, desta vez, entre uma bananeira e uma árvore que estava no quintal do lado.

 No dia seguinte o despertador acordou às 5:00 e enquanto eu me contorcia para conseguir sair do ninho e dessa forma accionava o alarme dos cães todos das redondezas, os outros também se levantavam e preparavam para o trabalho.
 A contagem de aves correu bem mas notei um decréscimo estranho nos números. Simplesmente não se ouvia tantas espécies como seriam esperadas...
Ocá - É destas árvores que são feitas as canoas que se vêem na costa

sábado, 9 de junho de 2012

Matança do porco em Dona Augusta

Entrada de Dona Augusta. Normalmente tem roupa
 a secar em toda a extensão do caminho até lá abaixo.
Depois de Ponta Baleia subimos até Dona Augusta. Já os conhecemos a todos e a mulher do Domingo, a Rola, gritou logo pelo meu nome mal nos viu.
 “Pensava que já tinhas ido!” Somos sempre muito bem recebidos e desta vez não foi excepção. Depois de tirar as tralhas do carro e de separar as folhas dos inquéritos partimos os três à caça.
 Chamavam Bondo à primeira senhora que entrevistei e ela disse-me que na semana passada só tinha comido coelho. Se tivesse sido o “nosso” coelho então era a primeira vez que eu ouvia a palavra num inquérito mas não, quando ela pediu à vizinha para trazer um coelho, ela veio-me com o peixe com aspecto mais primitivo que eu já vi nos últimos tempos (sem contar o con-con). Para perceberem como era a boca daquilo imaginem um bico de um papagaio. Agora imaginem outro, quatro pontas portanto, e “ponham-nas” a fecharem-se no mesmo ponto. Ah e metam isso numa cabeça grande e com grandes olhos predatórios e têm um “coelho”. A conversa sobre este peixe continuou até ela me dizer que quem comeu o bicho foi parar ao hospital com espasmos e companhia e quando as galinhas comeram as tripas dele morreram todas.
 “Então porque é que o comem?”
 “Porque não tinha mais nada.”
 “E porque é que deram as tripas às galinhas?”
 “Não démos, mandámos ao chão e elas foram lá picar.” Disse uma senhora desgostosa por ter ficado sem quatro galinhas.
 A certa altura começo a notar alguma agitação. À minha frente estava um porco amarrado pelas patas e ele parecia não perceber Português porque se percebesse não devia estar tão tranquilo.
 “Como mato ele?” Dizia um homem posicionado atrás.
 “Usa a madeira aí.” Gritou a senhora do coelho.
 Viro-me para o homem sentado ao meu lado e ele dá uma palmada na própria testa e sorri. “É pra bater assim aqui.”
 Bem, antes que pudesse meter a capa à frente dos olhos e esconder-me que nem uma menina já o porco tinha levado com tronco gigante na cabeça umas quantas vezes até ficar de lado a respirar sangue cá para fora. Os guinchos do bicho eram mesmo muito maus e ao vê-lo ali estendido parecia que me tinham batido também no mesmo sítio...
 “E agora?” Perguntou o homem do tronco.
 “Tem que usar faca!” A mulher passou-lhe uma faca de cozinha torta e pouco afiada. “Dá-lhe no pescoço, vá.”
 Basicamente foi como ver um homicídio a sangue frio feito por um maluco qualquer. Não foi bonito e aposto que aquele porco, quando acordou naquela bela manhã solarenga, pronto para ir enfiar o focinho no chão atrás dos seus restinhos, nunca imaginou que seria a ultima vez. Tenho a certeza que se tivesse que assistir a uma cena daquelas sempre que fosse comer porco nunca mais regressava à carne.

 Mais uma daquelas relíquias.
 Hoje em dia a única forma de ter electricidade na comunidade é ligando um gerador super barulhento mas os candeeiros que estão à entrada devem ter visto dias muito diferentes. Como esta comunidade devia ser há uns bons anos atrás e como ela está agora.

A bela da fonte abandonada
  A manhã seguinte foi estranha. Como aqueles dias em que se abre a janela (ou se espreita para fora do amoque) e se encontra um céu tão cinzento que só dá vontade de ficar na cama à espera que passe. O vento soprava, lá no alto, as folhas estavam agitadas. Estava fresco, as cores escondidas, os pássaros pouco ou nada cantavam, parecia mesmo que ia chover mas no final o vento continuou até soprar todas as minhas incertezas e o sol brilhou novamente.


quinta-feira, 7 de junho de 2012

Ponta Baleia

 Mais uns dias a entrevistar simpáticas senhoras sem vergonha nem roupa interior ou com vergonha mas sem sapatos, ou a dar de mamar ao bebé ou a cortar o búzio ou a escolher o peixe. (Também entrevisto homens.) Desta vez descemos até Ponta Baleia onde nos esperava a Ina e a sua família adorável que nos recebe sempre tão bem. Lembro-me de ter dito que Santa Jeny era das comunidades mais porcas mas retiro o que disse. Em Ponta Baleia, sempre que meto o pé na poça, penso em tacanhas e parasitas. E com tanta lama, isso acontece com alguma frequência.
 Desta vez não houve as tradicionais "danças" para dar a volta às senhoras que pedem arroz furiosamente, nem apareceu o batalhão de criancinhas que me ajuda a montar o amoque. Estava frio e chuva, e isso muda  toda a comunidade. As pessoas estão mais abrigadas, mais caladas, mais acolhedoras. Fiquei tanto tempo simplesmente ali, sentado, a olhar com um sorriso idiota para tudo o que me passava à frente.


 A antena desenrascada com pedaços de metal, a cozinha de madeira com as galinhas por baixo, o senhor a escolher os grão de cacau, as mulheres a cantarem enquanto lavam a roupa, a menina do outro lado a olhar para mim.


 E no fim do trabalho é altura de partir para a próxima. Da ultima vez houve alguém (ainda estou para perceber quem foi o percursor daquela ideia genial) que me perguntou se eu não me importava de ajudar a levar os garrafões de água até ao rio ao que eu muito educadamente respondi que não, até ao rio não haveria problema nenhum. Claro que passado vinte minutos ainda ali estava especado enquanto contemplava mais e mais senhoras a aproveitar a boleia até que toda a nossa bagagem teve que sair do próprio carro e ele foi transformado num camião cisterna cheio de garrafas de vidro e plástico e embalagens de detergente e bidões e baldes e basicamente tudo o que pudesse ser usado para transportar água.

 Numa passagem pelo rio aproveitei para explorar um pouco as profundezas desconhecidas. Nunca tinha ido tão fundo e fiquei bem impressionado com o que encontrei. Uma cascata toda fotogénica rodeada por margens imaculadas cobertas de musgos debaixo de lianas compunham a vista daquele lugar mágico. E ele continuava, eu ouvia o som da água rugir na distância. Da próxima vou ainda mais longe.

Adorei os tons azuis cristalinos desta água.

   E antes de voltarmos a casa passámos por Dona Augusta mas essa terá que ficar para o próximo post.

domingo, 3 de junho de 2012

Estreia subaquática com a GoPro

 Finalmente um dia de praia. A antecipação era alta, havia a nova máquina para testar e o tempo parecia favorável a filmagens subaquáticas.
 Conduzimos até à praia dos tamarindos sempre debaixo dos olhares intensos das pessoas que pareciam nunca ter visto uma barba. "Bin Laden!" Gritavam uns poucos, apontando com um misto de espanto, fúria e felicidade para o Simon.
 Quando estávamos quase a chegar à praia deparámos-nos com uma cena no mínimo cómica. Uma carrinha de caixa aberta estava totalmente atolada na lama enquanto um sem número de pessoas a tentava empurrar. Estranhamente, mal nos viram vieram dizer que podíamos passar e que não havia problema, apesar de tudo naquela cena indicar que haveria problema! "Por ali tem pedra, não tem problema, o carro traçado passa, podem ir..." Não tem problema o caraças! Era um mar de lama riscado por vales fundos, para quê arriscar? No final estacionámos os carritos e fomos a pé só que quando me apanharam mais a jeito pediram que eu usa-se o Pajero para puxar a carrinha para fora do buraco. Claro que tive que ajudar e mais uma vez o jipezinho do projecto provou ser uma besta do caraças! Arrancou a carrinha das garras da lama e ainda a arrastou mais uma e outra vez até estar totalmente livre para ir à sua vida. Agora pergunto: O que é que uma pessoa que acabou de ser "salva" de um atascamento gigantesco faz? Dá meia volta e volta para trás? Tché! Nada disso! Acelera e enfia-se à bruta e com toda a força exactamente no mesmo buraco de onde saiu !... Enfim... praia!

   Estava um dia lindo mas as nuvens já se começavam a aproximar por isso não havia tempo a perder. Saltei para a água e comecei imediatamente a usar a GoPro. Filmes e fotografias, dentro e fora, na cabeça e na mão. Tirei de tudo porque nesta máquina muito particular, não há forma de ver o resultado até se ter um computador à mão, ou seja, queria ter a certeza que alguma ficaria boa quando regressasse a casa. Fotografei corais, filmei peixes a comer, ondas as rebentar, até um mergulhador que encontrei pelo caminho. E quando chego a casa deparo-me com isto:




 Pois é, todas desfocadas... parece que é preciso uma caixa especial ou algo que anule a esfericidade da lente e por isso é que ela não consegue focar... nem as tiradas fora de água se safaram porque havia sempre uma gota cuidadosamente colocada à frente da minha cara! 

sábado, 2 de junho de 2012

A barba do Simon

 Ontem foi outro dia de acordar cedo e ir fazer espera ao Aeroporto (parece que ultimamente tem havido muito disto). Desta vez fui receber dois investigadores que vão ficar aqui por casa enquanto resolvem as suas coisas para poderem seguir de consciência tranquila para o Príncipe onde vão estudar o Papagaio cinzento e o impacto das plantas invasoras. Simon está com o Papagaio enquanto Linsey andará de volta das plantas. 
 Esperar por uma pessoa desconhecida no aeroporto é sempre interessante por causa da possibilidade de ela passar sem ser reconhecida mas isso é realmente impossível com este senhor. Imaginem o António Variações com rastas e têm o Simon Valle, um Italiano fantástico e com um sentido de humor muito parecido com o meu - o que é sempre uma agradável descoberta.
 Passámos a manhã a tentar fazer tudo o que é necessário fazer quando se é um investigador acabado de chegar a São Tomé: Conhecer o pessoal da direcção do Ambiente & Co., trocar dinheiro, comprar um cartão para o telemóvel, abrir conta no banco, e no caso deles, ver das passagens para o Príncipe que infelizmente estão agendadas já para esta quinta (infelizmente porque a companhia internacional deles cá em casa é verdadeiramente refrescante - lembra-me o mestrado, dá-me vontade de inventar comida vegetariana).
 Enquanto caminhava na rua com eles sentia o olhar dos Sãotomenses sobre o Simon e o seu cabelo e barba. Toda a gente tinha que olhar, era simplesmente impossível ignorar. O senhor do "super mercado" que eu sempre considerei o homem mais sisudo e aborrecido do mundo disse-me que ele tinha que pagar uma taxa para entrar com aquela barba em Sãotomé enquanto esboçava um sorriso desusado - fiquei chocado. O cabelo e a barba dele cria sorrisos, as pessoas chamam-no, querem conhecê-lo, toda a gente comenta. Sãotomé ainda está muito parado no século passado no que respeita a estilos de penteado de homens por isso não me admira que ver isto seja semelhante a ver um homem vindo da Lua.